pequenos monstros apenas para ela

a Joana chora. e chora sempre que não quer. chora sempre que não pode. quando sente os lábios salgados e se apercebe que, apesar de lentamente, os outros à sua volta já repararam nas lágrimas que lhe caem pelo rosto corado, ela fica atrapalhada. chora ainda mais por tentar arranjar mil e uma justificações, numa tentativa fracassada de impedir todas as perguntas que se seguem. mas nunca consegue. seriam precisas várias revistas cor-de-rosa para explicar o que se passa àqueles que se preocupam e não percebem e àqueles que apenas se fingem interessados porque fica bem, talvez, na capa da próxima revista. acaba sempre por lhe sair um "nada" um tanto ao quanto tremido e pouco confiante. o rótulo de "coitada" é quase certo, em alguns momentos acompanhado por uma ideia de fraqueza ou apenas chamada de atenção. 
a Joana chorava. e chorava quando podia. o Miguel adivinhava-lhe as lágrimas mesmo antes dos seus olhos ameaçarem. e ela não se atrapalhava. aceitava o ombro dele como porto de abrigo. só a ideia de o ter ao seu lado fazia-a voltar a sentir os pulmões e respirar fundo até que a sua voz finalmente voltasse. falava durante horas, de uma maneira desorganizada e trapalhona, de tudo aquilo que lhe molhava os olhos. o Miguel ouvia, até as coisas que não tinham pés nem cabeça e eram pequenos monstros apenas para ela. quando a Joana acabava, ele abraçava-a com força e dava-lhe um beijo porque sabia que os seus beijos curavam tudo. 
a Joana chora. e chora sempre que não quer. chora sempre que não pode. o Miguel foi-se embora e não há ninguém que lhe adivinhe as lágrimas, mesmo depois dos seus olhos ameaçarem. 

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