gira-discos

ela pensava que se chorasse muito a dor se ia embora com as lágrimas. depois percebeu que, se não chorasse mais, não sentiria mais. nem mais um bocadinho... mas a verdade é que ainda lhe doía o coração de todas as vezes que pensava naquela dança. ela queria acreditar que estava feliz por ele, por se ter ido embora naquele dia. tinha deixado a porta aberta e o gira-discos a tocar. mas o telemóvel não voltou a dar um único sinal e essa noite foi tão fria! acendeu a lareira, sentou-se num canto com um copo de vinho e cantou aquela música todas as vezes que conseguiu na esperança que isso o trouxesse de volta. mas ele odiava essa música e não voltou, nunca mais. e ela gostava tanto de dançar!

sempre

há uma certa e determinada altura na vida em que percebemos que as pessoas não duram para sempre. e toda a gente sabe que a palavra “sempre” significa sempre “sempre”. mas não, o “sempre” é relativo. o “sempre” também tem um fim e pode acabar a qualquer altura definida por qualquer pessoa. 
com ela foi assim. era sempre assim. e esse “sempre” chegou ao fim quando ela percebeu que afinal não era bem assim. as pessoas à sua volta não eram bem assim. e a vida também podia ser de outra maneira mas esta é e sempre foi a que ela queria viver. 
de uma coisa ela tem a certeza: sempre que ela quiser, o “sempre” pode ser sempre assim. 

aquela mulher

estava tanto calor naquele dia. respirar tinha-se tornado insuportável e ninguém podia sair dali. bufavam nos cantos e refilavam para os lados, com vontade de gritar que já não aguentavam aquelas condições. todos menos ela. ela desfilava pela sala como se caminhasse por cima de nuvens. fazia tudo de uma forma tão delicada... sorria para todos, a toda a hora. ninguém compreendia a boa disposição daquela mulher. era linda! desde o primeiro segundo que todos tinham reparado nela e nos seus bonitos lábios pintados de vermelho. parecia tudo tão fácil e tão mágico. não podia ser possível existir alguém tão feliz naquela sala, naquelas condições... e ela era mesmo linda!
no final do dia, a pressa e o cansaço falaram mais alto e todos correram para casa. nunca se soube o nome daquela mulher. 

isto e aquilo

passaram tantos anos... talvez a vida toda. e ela passou esse tempo todo a dizer que era desta “isto”, que era desta “aquilo”, que não aguentava mais X, nem Y, nem Z. era sempre naquele momento, naquele mesmo segundo! ela subiria até ao ponto mais alto e gritaria para toda a gente ouvir. iriam ficar todos calados, petrificados, a escutá-la com atenção. qualquer que fosse o discurso improvisado. que tinha sido tantas vezes estudado... mas esse momento nunca chegava. porque naquele segundo aconteceu não-sei-quê e no outro segundo apareceu não-sei-quem e no outro imediatamente a seguir já não havia tempo para nada. tudo contava como desculpa esfarrapada para fugir. e a vítima era sempre a mesma. sempre. a parva da Filipa que insistia em comprometer a sua palavra de honra todas as vezes que tentava anunciar a sua importante decisão. nunca ninguém soube o que era. nem sonharam. nunca. nem ela, talvez. 
um dia, a verdade finalmente chegou e ela percebeu que o fim nunca iria chegar realmente e que as coisas nunca iriam mudar. mas poderiam ser encaradas de outra forma. nesse dia, a Filipa percebeu que era vítima dela própria e que, de certa forma, isso até era uma coisa boa. 

tempestade

a Carolina fugia entre as gotas da chuva e escondia-se atrás do vento, achando assim que se protegia da tempestade. o que ela não sabia, é que tinha passado a fazer parte dela. sem se molhar, inundava tudo à sua volta e sem cair, destruía tudo por onde passava. enquanto tentava fugir de algo que ela própria criou. 
a Carolina quer agora livrar-se da tempestade, mas o vento acalmou e a chuva parou. e ela já não tem por onde fugir, nem onde se esconder. o último sopro do vento destapou-lhe a cara. ela olhou pela janela. só lhe resta esperar que, na manhã seguinte, o sol volte a nascer.

o tempo voa

"o tempo voa", dizem eles. e voa tão depressa. um dia, a Carolina tentou agarrá-lo e ele escapou-lhe entre os dedos. e, quando deu por ela, tinha passado ainda mais tempo. somando tudo, percebeu que se perdeu num turbilhão de coisas que lhe preenchem os dias que, importantes ou não, criam histórias que nos marcam de alguma maneira.

hoje, a Carolina voltou. segurou o tempo da melhor forma que conseguiu e prometeu não o deixar escapar de novo. afinal de contas, o tempo traz tantas histórias e elas têm de ser contadas!

ainda bem que ela foi

ela foi. um dia, foi. e os dias passam tão rápido que quando damos por eles já se transformaram em anos. e há tanta coisa que acontece em anos. tanta. e a Sofia foi. simplesmente foi. foi e transformou os seus dias em anos da melhor maneira que conseguiu.
a Ana ficou. e com ela ficou uma enorme saudade que traz sorrisos e lágrimas que viajam no tempo. porque os seus dias também se transformaram em anos. e os anos mudam tanta coisa. tanta. mas não trazem a Sofia de volta. fizeram-na sorrir com os olhos que antes choravam. e a Ana sorri de volta. ainda bem que ela foi!

ela não sabia disso

ela abriu a porta com os olhos cheios de alegria. a noite anterior tinha corrido como um conto de fadas. daqueles contos de fadas que na verdade não existem, mas ela gosta de criá-los com pormenores bonitos à sua maneira. 
no dia a seguir, a Filipa arranjou o cabelo e saiu à rua com os mesmos olhos. aparentemente, tinha tudo para correr bem. sentou-se à espera. esperou demais. esperou demais por qualquer coisa que nem ela sabe o que é. nesse dia fechou a porta com outros olhos. bonitos, mas tristes. todos os contos de fados têm altos e baixos. mas ela não sabia disso, não o tinha escrito assim. 

puzzle

sonhos. há sonhos que nos escapam por entre os dedos. outros deixamos cair e partem-se em tantos bocadinhos que já não sabemos nem de metade. a Mariana nunca o deixa fugir. e mesmo quando ele começa a ameaçar partir-se, ela agarra todos os bocadinhos que saltam e guarda-os num sítio onde ninguém consiga chegar. hoje acordou, vestiu as cores que gosta e pintou os lábios. está na altura de começar a fazer o puzzle. afinal de contas, já não falta assim tanto tempo.

um, dois, três.

a Marta conta até três. conta até três, bem devagarinho, quando as saudades apertam muito. um, dois, três. respira fundo. a falta que ele faz dói-lhe muito. mesmo quando é só um segundo. mesmo que seja um piscar de olhos, um espirro. que sentimento é este? um sentimento que manda nela. tão estranho e tão bom. será isto o amor? "volta, volta". um, dois, três. um sorriso, um beijo e um abraço. "não vás!". é isto o amor! a ausência dói. todos os segundos ao lado dele. a Marta quer todos os segundos ao lado dele! um, dois, três. "fica comigo para sempre!".